Até breve, Ma
Anelê Volpe, 2025
Minha irmã era também minha madrinha. Isso nunca fez diferença nas nossas vidas. Bastava que ela fosse ela e eu fosse eu. Como irmãs apenas. Certamente ela tinha mais memórias minhas do que eu dela, pois éramos próximas quando eu era muito criança e servia de vigilante do seu namoro. Me marcaram as viagens para Orlândia e as castanhas de cajú sempre presentes na estante-bar de sua casa de recém-casada. Já com os 3 filhos, e sem precisar, me levava para os passeios em família. Não me esqueço da viagem ao sul, sempre em direção à história, com passagem em Camboriú, ainda uma praia pacata: minha primeira memória de camarões com arroz à grega.
Ultimamente falávamos muito sobre ela ter passado muito tempo fora da casa dos pais, num período que marcou muito todos nós outros. Quando voltou formada de São Paulo, logo se casou e seguiu seu caminho. Muitos de nós fizemos a mesma trajetória. Pensando nisso agora, deve ter sido o modelo ideal para que minha mãe desse conta de nos criar. Foi breve o período em que éramos oito filhos vivendo na mesma casa. Sempre havia um, dois ou três morando em outra cidade. Como mais nova, certamente fui quem mais perdeu.
Durante muito tempo fomos o que somos em grande parte até hoje: filhos da Dona Ernesta. E isso não era pouco. Não era fardo; era orgulho.
No entanto, não deve ter sido fácil, para ela, como filha mais velha, ocupar o lugar da mãe na família tão numerosa. Herdou muitas de suas virtudes, mas tinha seu gênio próprio, que não era dado a atos públicos. Enquanto a mãe gozava de respeito e admiração de todos publicamente, ela, do seu jeito, replicava suas boas atitudes, mas do seu jeito discreto. E com isso foi somando amigos e admiradores.
Para todo resto da família, tornou-se a referência, não só por ser a mais velha, mas como aquela com quem se podia contar. Só não contavam com sua partida. Ficamos todos órfãos novamente.
Discretamente, quando percebeu que a vida lhe reservava dias muito mais difíceis, concluiu que era hora de partir. Com a mãe se deu o mesmo, mas a conversa da mãe com Deus foi mais demorada: a intimidade era grande demais.
Dizem que o sofrimento antes da morte é parte do processo da partida. Quando ele é breve, revela o preparo de quem vai e sua consideração para com quem fica. Até o fim ela poupou seus familiares. E não deixou nada por fazer. Deu o que tinha de melhor para todos ao seu redor. Investiu em suas amizades a vida toda, e partiu ficando na memória de cada um.
Choramos por nós mesmos. Devemos comemorar sua vida e o privilégio de termos compartilhado esse hiato de tempo com ela.
E a família vai seguir sua trajetória. Ela depende de cada um de seus membros e da relação entre todos para ser o que é. Cada novo integrante nasce com o destino de preservá-la, e a perda de um deles enfraquece a estrutura, mas une os demais como compensação.
Mais uma vez nossa estrutura familiar está abalada, mas outras forças vão se impor e, em conjunto, nos incumbiremos de mantê-la firme como um pé de aroeira.