Na paz do silêncio
Anelê Volpe 2024
Quando tudo já havia voltado ao normal, quando os encontros e abraços voltaram a ser permitidos, foi quando ele decidiu se calar.
Durante o confinamento forçado, foi obrigado a conviver com toda a família reunida, sem qualquer momento de privacidade. Para passar o tempo, conversavam, discutiam, brigavam e conversavam, conversavam sobre tudo. De repente, tinha que opinar sobre vírus, doenças, vacinas, política e políticos, sobre tudo o que nunca lhe interessou.
Uma vez livre do confinamento, se deu conta de que não queria mais conversar. Não tenho mais o que falar, pensou ele, tudo o que havia para dizer, já foi dito. O mais estranho é que demorou mais tempo do que ele previa para que percebessem que ele não falava mais.
Nas convenções sociais, bom dia, boa tarde, até logo, ele substituiu por acenos com a cabeça ou mãos. Ninguém exigia mais do que isso mesmo. E ele já não era de sair muito, de modo que as interações ficaram mais e mais raras.
Em casa, sem os protocolos sociais, dispensou os olhares, os acenos, os sorrisos. Como todos estavam voltados para fora, igualmente ansiosos para retomar sua vida com os que estavam inalcançáveis, demoraram semanas para perceber a ausência dele. Não a ausência física, que essa ele não conseguiu.
A cozinheira da casa foi a primeira a notar. É que ela tinha um costume peculiar. Ao final de toda refeição que preparava, perguntava ao último que deixava a sala de jantar se a comida estava boa. Em geral, recebia um muito boa, gostosa, deliciosa ou apenas um ahã de volta. Por coincidência, no entanto, vários dias seguidos ele foi o último a deixar a sala, de modo que seu silêncio como resposta começou a incomodá-la. Até que ela comentou com a patroa, o que está acontecendo com o patrão? E foi só aí que sua mulher começou a reparar em seus movimentos.
Aquelas não-respostas às perguntas dela nunca chamaram sua atenção. Afinal, a relação entre eles era repleta de falsas perguntas – Já não te pedi para tirar seu chinelo do meio do quarto? Passa o açúcar? Pode colocar no canal da novela, por favor?
A partir da pergunta da cozinheira, no entanto, começou a provocar situações em que ele não poderia responder com silêncio. E assim fez. E assim obteve silêncio de volta.
E foi em vão ela questioná-lo sobre esse comportamento. Não falo, não falo, não falo, pensava ele. Como é possível, dizia ela, você me deve uma explicação, não pode viver em silêncio, a vida exige que você converse comigo, com todos nós!
Se a vida exigiu ou não, só se pode especular. O fato é que ele não falou mais. Não houve filho, nem neto, nem médico, nem padre que o fizesse falar.
Nada como o tempo para acomodar qualquer situação. Sem fala, sem comunicação, não havia mais qualquer razão para a convivência. Se quer ficar isolado, então que fique sozinho, concluiu a família. Ele, que não falava, mas escutava, não fez por menos. Deixou aquela casa e foi viver apenas com ele mesmo. No silêncio, na paz.