Olhos de esmeralda
Anelê Volpe 2024
Chegando aos 100 anos, sua figura despertava paz. A pele já não brilhava, o corpo curvava sobre si, equilibrando-se nas pernas finas e cambaleantes. Tudo pedia que meu olhar se desviasse dela. Foi quando nossos olhares se cruzaram. Duas pedras cor de esmeralda me hipnotizaram. Ela sabia que exercia seu poder no olhar. Impossível não se aproximar para conhecê-la melhor.
Boa tarde, disse eu, aumentando o volume da voz, como se já soubesse que ela não me escutaria. Seus olhos sorriram e agradeceram a atenção. Não era sempre que lhe dirigiam a palavra.
Sabe que a senhora tem olhos lindos? Sei, disse ela, agora sorrindo com o corpo todo, estendendo suas mãos. Muito finas, unhas pintadas, mãos macias e quentes. Mãos que dão e pedem carinho.
Como você se chama? E você? Mora aqui perto? É casada, tem filhos? Protocolos preenchidos, fez-se o silêncio.
Minha curiosidade é maior que a dela e quebro o silêncio. Logo fico sabendo dos principais fatos de sua vida. Viúva há muito tempo, filhos maravilhosos (sempre são, mesmo não sendo), netos e bisnetos. Está acompanhada, mas é com estranhos que gosta de conversar. Por isso vem sempre ao shopping e senta-se na área de convivência.
Observo-a a observar crianças. Imagino que esteja se recordando de sua própria infância. Tudo era diferente, naturalmente, mas, ainda assim, infância, inocência, liberdade. Fantasio a infância dela. Chego a sentir em mim a saudade dela.
E, como se já fosse íntima e preparada para um discurso pronto, me arrisco a perguntar. Sente muita saudade? Sim, saudade de sentir saudade, responderam-me as esmeraldas.