Do lugar onde vivo
Anelê Volpe 2025
Cinco minutos e um abismo separam o lugar onde vivo da área de condomínios de casas de alto padrão. O tempo sempre foi o mesmo, um pouco mais, um pouco menos, dependendo da hora e dos imprevistos do trânsito. Já o abismo, não sei bem quando começou a se formar.
Vivo onde vivo por escolha. Bairro que deu origem à cidade, vizinho à linha do trem, simples e populoso, casas baixas, comércio popular, população humilde e amigável. Com o tempo, perdeu a tranquilidade de antes e ganhou vários problemas: mais carros, mais barulhos, mais medo. Expulsou os mais pobres para outras periferias e ficou com a classe média.
Os condomínios, como se sabe, isolam as classes alta e média alta, fazendo com que se sintam seguras. Mas não só isso. Fazem com que todos se sintam semelhantes, bem-sucedidos, privilegiados. E é isso mesmo o que são. Os condomínios atraem os grandes shoppings, os bons restaurantes, as escolas onde se fala inglês. Em geral são próximos às estradas que os levam aos aeroportos, mas distantes do burburinho da cidade, para onde vão só em caso de necessidade.
Confesso que pensei algumas vezes em me juntar a eles. E acho que aí começou a se criar o abismo. Quanto mais pensava em me isolar alí, mais me distanciava deles. Quanto mais comparava meu lugar com o deles, mais me apegava ao meu.
Lugar bom de se viver é lugar cheio de vida variada. E onde tem vida variada, tem sabor, tem diferença, tem respeito, tem empatia.
Do lugar onde vivo, tenho uma visão privilegiada. Tenho a distância necessária para viver longe o suficiente da vida superficial de quem busca sucesso, poder e riqueza; perto o necessário do povo comum, de quem não sei o nome, mas reconheço o rosto, das mazelas humanas, da religiosidade e da solidariedade.
Posso até parecer uma estranha no lugar onde vivo, mas sempre que me distancio dele, é para lá que quero retornar. Porque o lugar onde vivo não é um endereço postal, não é o espaço onde vive o meu corpo. É todo o entorno que interage comigo e que me faz pertencer a ele.
Do lugar onde vivo, tenho uma visão privilegiada. Consigo escolher o melhor lugar para ir. E sempre escolho ficar.